sexta-feira, outubro 06, 2006

Sabedoria Popular...

Quando morro eu não sei
Aquilo que tenho não levo
Mas levo tudo o que dei

Isto é o que acabo de ouvir e tive, porque tive mesmo que registar. Porque se registam os momentos únicos, porque se registam as palavras sábias.

No canto onde estou, muitas vezes trabalho em silêncio para uma máquina muda, mas as pessoas passam e entre as coisas que faço, as palavras que dizem vão ficando. Hoje era uma senhora, nada, mas mesmo nada jovem que falava.

O acentuar dos ‘erres’ enfatizava tudo o que dizia e prendeu-me à conversa que tinha com as amigas. Falava sabiamente dos desejos que tinha para realizar ainda em vida, e falava do apego daquelas que poderiam ajuda-la nessa alegria, mas não o fazem por isso mesmo, apego. Apego à matéria e à vida que, pensam eles, para eles, nunca vai acabar.

Cusca sorridente ouvi, aquilo que era para eu ouvir, porque o dizia alto, com orgulho. Alto para sentir e viver outra vez aquilo que dizia, o ter conseguido ser doutora nos seus tempos de mocidade, as viagens que realizou, as pecinhas que juntou para deixar aos outros um pouquinho do muito mundo onde andou. E isso e o poema que disse emocionaram fortemente porque com a idade que tinha, sendo mulher, seguramente não foi fácil ouvir as recusas que ouviu para poder doar aos outros aquilo que viveu.

O desejo era o de fundar um museu, que já tem recheio e peças, só não tem casa onde morar. E dizia sem tristeza, mas com um sorriso sincero, que gostava ainda de o ver em vinda porque sabe que quando morrer e derem com o que tem o vão fundar. E embrenhei-me nisto, nesta tristeza do querer dar e não poder, do não querer levar mas quase que vai ter que ser, porque a pele enrugada previa uma não muito longa estadia.

E fico triste ao dize-lo mas a Natureza não se engana, e se por vezes nos leva mais jovens do que devia, é certo que nunca, mas nunca mesmo nos deixa aqui. Mesmo que tenhamos vivido muito, com toda a intensidade, como esta Srª viveu, com esta vontade toda, que deixou nos Jardins das Conchas as árvores que lhe pertenciam, árvores que lhe queriam tirar e que ali criaram raízes.

4 comentários:

Unknown disse...

é realmente triste que alguém queira dar e não haja quem queira receber!
de qualquer forma, pelo que percebi do teu "post", a senhora quer um museu com o nome dela para se perpetuar... podia doar o espólio ao museu que já existe em Beja... ou a qualquer outra entidade...

13a... disse...

2 trequita:

Obrigada pelo com. mas devo esclarecer que não era o caso, não me quis estender e ficou assim.
O Museu q a Sr quer fundar é um museu de artigos vários que mostram sim o trabalho de pessoas que não ela, o que esta em questão não é bem perpetuar-se mas sim perpetuar um trabalho artesanal que sempre valorizou e colectou ao longo dos anos! E, infelizmente o q propões já foi tentado! A Srª gostaria de fazer o museu na sua terra natal, e o Museu da sua cidade diz q aceita a sua colecção mas que não a poderá ter exposta, que a guarda em local seguro para expo-la apenas em oportunidades singulares... e proximamente, mesmo MUITO singulares!

Mpalma disse...

Sinto-me babada (sim é verdade!), por saber que alguem me lê, que alguem me gosta. Obrigada!

Quando ao post, bem... nem sempre damos valor ao que deveriamos e passamos cada vez mais ao lado das coisas que nos poderiam fazer felizes... simplesmente porque ou estamos muito ocupados, ou porque esta 'demodé'.



Gosto de te ler
Aquele beijinho*

Anónimo disse...

Isto faz-me lembrar um poema de Antonio Machado (poeta espanhol), cantado, evidentemente, por Joan Manuel Serrat (cantautor de Catalunha (Espanha)). É cumprido mas bonito. O ponho a seguir:

Cantares...

Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.

Nunca persequí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.

Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse...

Nunca perseguí la gloria.

Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.

Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino
sino estelas en la mar...

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso...

Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso...

Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
"Caminante no hay camino,
se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso.

L.F.